André Luiz Ruiz – Espírito Lucius
Extraído do Livro.: O Amor Jamais Te Esquece
A confusão se estabelecia entre as pessoas aflitas que, carregando suas desgraças individuais ou ajudando outros a carregá-las, acercavam-se de Jesus, sempre buscando algo que as aliviasse.
A Palestina era um local de fértil manifestação religiosa, sobretudo por causa da tradição judaica, fiel à condição de herdeira do patrimônio espiritual de Abraão, na crença monoteísta que era uma exclusividade naquele período de muitos deuses por todos os lados.
A tradição religiosa detinha inúmeras demonstrações miraculosas de poder que enchiam o imaginário do povo e auxiliavam as autoridades dirigentes da raça a exercerem o seu mando sempre com base nos livros sagrados da lei.
Ali estavam grafadas as epopéias dos ancestrais que se submeteram cegamente às exigências e ordens sobrenaturais e houveram conquistado as benesses almejadas, como a terra prometida.
Lembravam-se de cultuar a libertação do cativeiro no Egito, de onde foram retirados pelos poderes sobrenaturais, a começar pelas pragas que Moisés invocara sobre o país dominador a fim de amolecer o coração do Faraó déspota que os retinha.
O caminho em direção ao desconhecido, orientado pela luminosa estrela que lhes apontava o rumo no horizonte; o mar Vermelho, vencido pela intervenção superior e que se vira aberto para a passagem do povo, antes de ser dizimado pelas forças militares do Faraó arrependido; o maná que caiu do céu para alimentar as pessoas em pleno deserto, a água saída da pedra, etc. As forças poderosas, que estavam sempre demonstrando a sua capacidade de encantar o povo pelo sobrenatural, faziam parte da personalidade religiosa da raça hebréia.
Por isso, não era novidade que alguém se apresentasse com alguns poderes que encantassem os demais, se bem que já há muito tempo não houvesse entre os judeus algum que representasse com grandeza e brilho as forças invisíveis. Na maior parte das vezes, o que se podia observar eram pequenos feitos, muito próximos da magia ou do encantamento ilusório, ou ainda, pessoas inescrupulosas, desejando enganar a boa fé ou o desespero de outros sofredores, em busca de vantagens materiais.
Povo acostumado às práticas do comércio e extremamente apegado aos trâmites materiais das riquezas, a sua relação com o Divino estava sempre a serviço de sua prosperidade imediata e tinha aí, muitas vezes, o único objetivo.
Assim, a religião pura e venerável que paira acima das conveniências pessoais estava prejudicada nos sentimentos da maioria que a ela se endereçava, tão somente para conseguir vantagens ou posições.
Eram raros os crentes sinceros e desprendidos, seguidores da essência da velha lei de Moisés, representada no seu conteúdo moral pelo decálogo simples e direto.
No emaranhado de ritos e tradições, os sacerdotes judeus e os representantes das castas mais elevadas do povo tratavam de se defender com a invocação de passagens dos livros mosaicos, de onde retiravam todo o tipo de justificativa para corromper princípios elevados, para distorcer deveres morais e para fazer do formalismo estéril a principal causa da religião, graças à qual, poderiam continuar defendendo seus interesses materiais.
A ritualística sobrepujara a simplicidade do contato com a Divindade.
Pela ação solerte dos intérpretes, o povo ia sendo guiado por criaturas mesquinhas e sem elevação de caráter. Tudo era motivo de ganho e de troca e, para isso, os textos eram consultados, espancados, espremidos, torcidos e retorcidos até que atingissem o estado que desejavam os interessados em obter vantagens ou justificar suas atitudes.
O povo sentia tal estado de coisa, ainda que não ousasse se manifestar contra as autoridades que o dirigiam, eis que temia ser considerado infiel e banido ou morto pelos asseclas dos administradores da fé.
Por isso, a presença de Jesus no meio das pessoas humildes era tão acolhida e admirada, já que o Divino Mestre vinha trazendo uma forma muito diferente de relacionamento com Deus. Sua palavra doce e sensata parecia orvalho novo na face empoeirada dos desesperados, sempre explorados pelos outros religiosos, que não lhes ofereciam nada como consolo e que, ainda por cima, lhes exigiam valores e bens que não detinham, como condição para realizarem alguma intercessão em seu favor. Com Jesus era diferente. Amor flamejante no seio da escuridão do egoísmo farisaico, sua luz falava no discurso sem palavras de sua bondade.
Não era Jesus que lutara tanto para impor-se. Era a maldade dos religiosos que contrastava tanto com a Sua bondade que, nessa comparação, aparecia com maior fulgor. E o espírito simples do povo esquecido sabia identificar essa diferença como a mais novel criança sabe identificar entre o azedo do vinagre e o doce do mel, sem conhecer-lhes a química intrínseca. Por isso, o nome de Jesus já se houvera espalhado por muitos lugares e ganhado várias regiões, de onde acorriam desesperados para buscar-lhe a ajuda, a cura, a orientação.
Rodeado de homens simples e quase absolutamente desguarnecidos de cultura ou preparo intelectual, o seu ministério era transparente e totalmente voltado para os derrotados do mundo. Contrastando com o Império que governava a região distante da
Judéia, o celeste mandatário não tinha suntuosidade alguma nem qualquer aparato exterior que viesse a impressionar a visão dos que o seguiam.
Não queria iludir as almas fracas que se impressionam com coisas que brilham ou amedrontam pela grandeza material.
Tibério encastelara-se no paraíso físico da natureza exuberante da costa amalfatina, em Capri, onde erguera sua Vila Jovis, verdadeira preciosidade arquitetônica para aqueles tempos e de onde dirigia as nações distantes pela força de seus exércitos.
Jesus não tinha casa fixa e, se se pode dizer possuir alguma coisa, era a multidão dos coxos e lacrimosos que o buscava. Seus ajudantes eram dos mais despreparados e seus decretos administrativos eram lições de renúncia e devotamento aos desesperados, que buscava elevar à condição de filhos de Deus, da qual haviam se desacreditado por não confiarem mais em si próprios. E no meio da multidão que seguia seus passos, entre outros, Zacarias se encontrava, desejando estar entre os mais próximos ao Divino Amigo. Viera de Emaús trazendo um companheiro que era enfermo incurável, confiante de que, ao contato com o novo profeta, tal doença seria curada como ele mesmo houvera visto ocorrer com outros que conhecera.
Já possuía idade e os anos passados não lhe traziam boas lembranças se se lhe observassem a história das rugas em seu rosto.
Era um homem solitário, pois não fora feliz na união que tanto desejara em idade adulta. Sua esposa, muito jovem e imatura para as elevadas funções do matrimônio, fora flagrada por terceiros em prevaricação inexplicável e, conquanto lhe permitisse a lei de Moisés o apedrejamento da infiel, o coração generoso de Zacarias, despedaçado no afeto vilipendiado de que era vítima, deu à mulher a liberdade para que seguisse seu caminho junto daquele que escolhera para substituí-lo. Tal situação escandalosa obrigou-o a mudar de cidade a fim de que não tivesse de suportar o escárnio dos outros, eis que, por essa época, já se preferia criticar a abstenção da vingança em vez de se enaltecer a elevação do perdão e da renúncia.
Zacarias, então, sem filhos e sem ilusões de felicidade, transferira-se para Emaús onde se estabelecera como sapateiro para ganhar a vida, trazendo as chagas abertas no peito e a fome de afeto na alma.
No fundo, seu espírito apontava para a aprovação de sua conduta com relação à mulher traidora. Todavia, na mente esfogueada, as dúvidas ainda existiam e não estava plenamente convencido de que houvera feito o correto em face das exortações da lei religiosa que lhe permitiria ter-lhe tirado a vida como exercício de Justiça autorizada pelas ordenações mosaicas.
No entanto, a sua natural bondade interior se apresentava sempre antes, impedindo qualquer resposta mais rude perante os desafios da vida.
Tudo isso mudou para sempre na ocasião em que escutara a mensagem do novo reino de Deus no caminho dos Homens, nas palavras daquele nazareno desconhecido cujo magnetismo era inesquecível a tantos quanto se Lhe aproximassem.
Nas suaves exortações espirituais, Zacarias havia encontrado o refrigério para seus temores, confirmação para suas crenças íntimas, esclarecimento para suas dúvidas e remédio para seus sofrimentos afetivos.
No mar dos egoístas que mandavam vingar-se e consideravam a generosidade do esquecimento como sinal de fraqueza, Zacarias entendeu a beleza do perdão como fortaleza da alma que o tornaria mais íntegro e feliz por dentro.
E bastou encontrar Jesus uma única vez para se deixar seduzir pela beleza daquela nova Verdade que o mais inspirado dos rabinos era incapaz de entrever ou de pronunciar no mais inspirado dos discursos que proferisse.
Parece que Moisés se tornara uma criança rabugenta e caprichosa diante Daquele que surgia como o amigo equilibrado, dirigindo os passos dos que o seguiam com respeito e confiança.
Nenhuma exortação belicosa, nenhum momento de brutalidade, nenhuma palavra excludente a criticar isto ou aquilo.
Sem preconceitos, Jesus abraçava leprosos que os Judeus baniam para os vales, recebia prostitutas que os mesmos mantinham como seus instrumentos de prazer na calada da noite, explorando suas dificuldades para mantê-las escravizadas aos seus caprichos carnais.
Aceitava a presença malcheirosa de velhos miseráveis e crianças enfermas acompanhadas de suas mães em desespero.
Zacarias o conhecera no início do ministério de Amor, apenas alguns meses depois de ter convocado os doze seguidores e se lastimava muito de não ter podido estar entre aqueles a quem o Senhor houvera chamado diretamente.
No entanto, empreendia qualquer caminhada para poder seguir o Mestre onde Ele se encontrasse.
Levando seu amigo enfermo até a presença do profeta da esperança, conseguiu que o mesmo fosse entrevisto pelo olhar manso e tivesse recuperada a saúde, o que lhe valeu como derradeiro sinal de superioridade daquela nova doutrina em face dos velhos e carcomidos textos mosaicos.
Tão logo regressou a Emaús com o amigo maravilhado ante a cura miraculosa, Zacarias deliberou fechar a sapataria e seguir os passos do Galileu por onde ele fosse, ainda que não tivesse sido escolhido para estar entre os doze mais íntimos.
Era preciso ter muita coragem para abdicar de todo o mundo pessoal que houvera conquistado e sair em viagem ao lado do Messias esperado, por simples vontade de aprender e ser melhor.
Abeberar-se com a linfa pura dos ensinamentos superiores, vivenciados ao longo do caminho pedregoso das estradas do deserto áspero no atendimento dos caídos era para ele o novo ideal de sua alma.
Fechou a casinha que o abrigava, colocou os pertences de sapateiro em sua pequena bagagem, informou aos amigos mais chegados que realizaria viagem para cidade mais distante a fim de não levantar suspeitas sobre sua conversão ao novo profeta e, em certa
manhã, deixou Emaús para seguir Jesus.
Não desejava mais qualquer prova, qualquer vantagem, qualquer cura.
Queria aprender a servi-lo onde fosse necessário, melhorando-se. E, desde esse dia, Zacarias passou a ser mais um no meio da multidão que estava sempre onde Jesus estava. Afirme-se, por importante, que a grande massa que o buscava era composta de pessoas aflitas que, residentes nas regiões que ele cruzava, acercavam-se em busca de auxílio imediato e, tão logo o recebiam, regressavam para seus afazeres imediatos, muitas vezes esquecendo-se das bênçãos conquistadas.
Todavia, pequeno grupo de peregrinos seguia em marcha ao Seu lado, desejoso de aprender e de presenciar as belezas do Reino do Céu, acreditando estar ao lado do Messias prometido. Era composto pelos doze escolhidos e por um grupo maior que ia aumentando com o passar do tempo, no qual se encontravam homens como Zacarias que, encantados com as novas verdades, tudo deixaram para estarem ali, captados pela doce hipnose da bondade e devotados à própria transformação.
Por mais que os apóstolos desejassem manter a exclusividade de seus privilégios como escolhidos em primeira hora, o próprio Mestre era simpático a essa pequena corte que se ia formando, deixando claro que não era propriedade de nenhum dos que escolhera. Ao contrário, era de todos e a todos os de boa fé aceitava como seus seguidores, independentemente de formalismos e burocracias.
Mais de uma vez Zacarias presenciara Jesus acercando-se de homens que Simão havia afastado da sua proximidade por ciúmes ou zelos excessivos, aos quais ia buscar para reparar o dano emocional que a ignorância do apóstolo havia produzido com sua rusticidade natural.
Quando o grupo principal se instalava em algum lugar que não permitia a presença de todos, os outros ficavam por perto, albergados em estalagens miseráveis, dormindo ao relento, conversando com transeuntes, contando das belezas do novo reino, trazendo mais e mais pessoas para conhecerem o Filho Amado de Deus.
Assim que era retomada a jornada, voltavam eles a se incorporar à caravana e seguir o caminho.
Assim, com o passar dos meses já não havia apenas os doze apóstolos, mas ao lado de Jesus e de sua corte primitiva, um agregado de almas igualmente devotadas se formara, dando sustentação e suporte aos deslocamentos, propagando pelas redondezas a chegada do Messias, falando de seus feitos, difundindo a sua mensagem como primeiros propagandistas da fé e da Verdade Superior que chegava.
Com o passar dos meses, tais homens foram sendo conhecidos de Jesus e dos apóstolos, com os quais passaram a se relacionar amistosamente e receber a consideração fraterna que Jesus tanto desejava se instalasse entre os que o seguiam de perto.
Dessa maneira, Zacarias passou a ser considerado um irmão devotado e respeitado pela sua idade já amadurecida, mas que, como criança feliz, se rejuvenescera no entusiasmo da fé e do ideal do bem.
Algumas vezes se afastava no atendimento de alguma miséria moral que lhe chegava ao conhecimento até que conseguisse auxiliar a criatura para que fosse até a presença do mensageiro da paz.
Nas reuniões mais íntimas recebeu o direito de dirigir perguntas ao Mestre em busca de orientações e conselhos, sempre que, primeiro, solicitasse dos apóstolos a autorização para usar a palavra.
E desta maneira, o coração de Zacarias foi sendo modificado para que mesmo as cicatrizes morais dos sofrimentos do passado fossem desaparecendo por completo, tornando-o um pequeno farol na escuridão do desespero para beneficiar muito os que sofriam.
Os meses passaram e Zacarias era outra pessoa.
Trabalhava como sapateiro ambulante quando necessitava ou o tempo lhe permitia e, dos seus modestos ganhos, retirava os recursos mínimos para si e entregava a maior parte para o grupo de idealistas que seguiam o Mestre a fim de que pudessem ter como comprar o pão ou a migalha que os sustentaria e auxiliaria a minimizar a dor de muitos
miseráveis.
Mesmo assim, suportara a escassez e a fome muitas vezes, na renúncia silenciosa, para que alguém mais desesperado pudesse alimentar-se.
Todos os seus gestos de devotamento eram feitos no mais absoluto anonimato, para que não aparecessem como exercício de virtude ou de prosápia.
Os meses se passaram e o ano de 32 chegara com as esperanças aumentadas no coração daqueles homens que se maravilhavam mais a cada dia, na caminhada da evolução de seus espíritos.
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