Indiscutivelmente a dor, a enfermidade e a dificuldade tem se constituído as maiores aliadas do homem em seu desenvolvimento espiritual. Por sua pequenez, não consegue visualizar a vida além da matéria, dos gozos fáceis, das posses, do poder e de tudo que a matéria lhe proporciona.
Neste mundo existem pessoas que despertam com o trinar dos pássaros e outros que somente com o tiro do canhão. A dor e as enfermidades ainda são necessárias para nosso avanço. Nesta crônica de Humberto de Campos notaremos a Providência trabalhando por nosso despertar. Veremos que em última instância somente é que Deus nos envia o Anjo Cinzento para nos conduzir novamente ao seus braços.
Centro Espírita Vinhas do Senhor
Pouso Alegre/MG, 05 de abril de 2015.
O ANJO CINZENTO
Humberto de Campos
Extraído do Livro: Contos Desta e Doutra Vida – FEB
Para que o Homem adquirisse confiança em Sua Bondade Infinita, determinou o Senhor que vários Anjos o amparassem na Terra, amorosamente…
Em razão disso, quando mal saía do berço, aproximou-se dele um Anjo Lirial que, aproveitando os lábios daquela que se lhe constituíra em mãezinha adorável, lhe ensinou a repetir:
– Deus…Pai do Céu… Papai do Céu…
Era o Anjo da Pureza.
Mais tarde, soletrando o alfabeto, entre as paredes da escola, acercou-se dele um Anjo de Luz Verde que, por intermédio da professora, o ajudou a pronunciar em voz firme:
– Deus, Nosso Pai Celestial, é o Criador de todos os seres e de todas as coisas… Era o Anjo da Esperança.
Alongaram-se-lhe os dias, até que penetrou uma casa de ensino superior, sob cujo teto
venerável foi visitado por um Anjo de Luz de Ouro que, através de educadores eméritos, lhe falou acerca da glória e da magnificência do Eterno, utilizando a linguagem da filosofia e da ciência.
Era o Anjo da Sabedoria.
O Homem compulsou livros e consultou autoridades, desejando a comunhão mais direta com o Senhor e fazendo-se caprichoso e exigente.
Olvidando o direito dos semelhantes, propunha-se conquistar as atenções de Deus tão somente para si. A Majestade Divina, a seu parecer, devia inclinar-se aos petitórios, atendendo-lhe as desarrazoadas solicitações, sem mais nem menos; e, porque o Criador não se revelasse disposto a personalizar-se para satisfazê-lo, começou a cultivar o espinheiro da negação e da dúvida.
Por mais insistisse o Anjo Dourado, rogando-lhe reverenciar o Senhor, acatando-lhe as leis e os desígnios, mais se mergulhava na hesitação e na indiferença.
Atormentado, procurou um templo religioso, onde um Anjo Azul o socorreu, valendo-se de um sacerdote para recomendar-lhe a prática do trabalho e da humildade, com a retidão da consciência e com a perseverança no bem.
Era o Anjo da Fé.
O Homem registrou-lhe os avisos, mas, sentindo enorme dificuldade para render-se aos
exercícios da virtude, clamava intimamente:
– “Deus? Mas existirá Deus realmente? Por que razão não me oferece provas indiscutíveis do seu poder?”
Freqüentando o templo para não ferir as convenções sociais, foi auxiliado por um Anjo Róseo que lhe conduziu a inteligência à leitura de livros santos, comovendo-lhe o coração e conduzindo-lhe o sentimento à prática do amor e da renúncia, da benevolência e do sacrifício, de maneira a abreviar o caminho para o Divino Encontro.
Era o Anjo da Caridade.
O teimoso estudante aprendeu que não lhe seria lícito aguardar as alegrias do Céu, sem havê-las merecido pela própria sublimação na Terra.
Ainda assim, monologava indisciplinado: ¯ “Se sou filho de deus e se Deus existe, não justifico tanta formalidade para encontrá-lo…”
E prosseguia surdo aos orientadores angélicos.
Casou-se, constituiu família, amealhou dinheiro e garantiu-se contra as vicissitudes da sorte; entretanto, por mais se esforçassem os Anjos da Caridade e da Sabedoria, da Esperança e da Fé, no sentido de favorecer-lhe a comunhão com o Céu, mais repudiava os generosos conselheiros, exclamando de si para consigo:
– “Deus? Mas existirá efetivamente Deus?”
Enrugando-se-lhe o rosto e encanecendo-se-lhe a cabeça orgulhosa, reuniram-se os gênios amigos, suplicando a compaixão do Senhor, a benefício do rebelde tutelado.
Foi quando desceu da Glória Celeste um Anjo Cinzento, de semblante triste e discreto.
Não tomou instrumentos para comunicar-se.
Ele próprio abeirou-se do revoltado filho do Altíssimo, abraçou-o e assoprou-lhe ao coração a mensagem que trazia…
Sentindo-lhe a presença, o Homem cambaleou, deitou-se e começou a reconhecer a
precariedade dos bens do mundo… Notou quão transitória era a posse dos patrimônios
terrestres, dos quais não passava de usufrutuário egoísta… Observou que a sua felicidade
passageira era simples sombra a esvair-se no tempo… E, assinalando sofrimento e desequilíbrio no âmago de si mesmo, compreendeu que tudo que desfrutava na vida era empréstimo divino da Eterna Bondade…
Meditou… Meditou… reconsiderando as atitudes que lhe eram peculiares e, em lágrimas de sincera e profunda compulsão, qual se fora tenro menino, dirigiu-se pela primeira vez, com toda a alma, ao Todo Poderoso, suplicando:
– Deus de Infinita Misericórdia, meu Criador e meu Pai, compadece-te de mim!… O Anjo Cinzento era o Anjo da Enfermidade.
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