A vida fútil, de aparências, de frieza, está presente junto à nós, disfarçada pela nossa hipocrisia e mascarada por uma suposta humildade. Quando colocamos o ser humano abaixo das convenções sociais e religiosas, desprezando ou ignorando de alguma forma o irmão que se nos apresenta, é sinal que estamos bem próximos de sermos os “sepulcros caiados” a que o Cristo se referiu.
Necessário é que sejamos inundados pela luz do conhecimento e absorvamos os ensinamentos do Cristo para que vivamos uma vida que não seja de aparências, mas sim de sentimentos verdadeiros.
Nesta crônica de Humberto de Campos vemos o exemplo real de como o fanatismo religioso ofusca o verdadeiro sentido da religião e leva o ser humano a julgamentos e ações indignas e maléficas. Mesmo assim, a Misericórdia Divina se faz presente em todos os lugares para consolar e dar bom ânimo aos que escolheram o caminho do Cristianismo.
Centro Espírita Vinhas do Senhor
Pouso Alegre/MG, 19 de junho de 2015
LÁZARO REDIVIVO
Humberto de Campos
Extraído do Livro: Lázaro Redivivo – FEB
Conta-se que Lázaro de Betânia, depois de abandonar o sepulcro, experimentou, certo dia, fortes saudades do Templo, tornando ao santuário de Jerusalém para o culto da gentileza e da camaradagem, embora estivesse de coração renovado, distante das trocas infindáveis do sacerdócio.
Penetrando o átrio, porém, reconheceu a hostilidade geral.
Abiud e Efraim, fariseus rigoristas, miraram-no com desdém e clamaram:
– É morto! é morto! voltou do túmulo, insultando a Lei!…
Ambos os representantes do farisaísmo teocrático demandaram os lugares sagrados, onde se venerava o Santo dos Santos, num deslumbramento de ouro e prata, marfim e madeiras preciosas, tecidos raros e perfumes orientais, espalhando a notícia. Lázaro de Betânia, o morto que regressara do coma, zombando da Lei, e dos Profetas, trazia, ali, afrontosa presença aos pais de raça.
Foi o bastante para revolucionar fileiras compactas de adoradores, que oravam e sacrificavam, supondo-se nas boas graças do Altíssimo.
Escribas acorreram apressados, pronunciando longos e complicados discursos; sacerdotes vieram, furiosos e rígidos, lançando maldições, e aprendizes dos mistérios, com zelo vestalino, chegaram, de punhos cerrados, expulsando o irrelevante:
– Fora! fora!
– Vai para os infernos, os mortos não falam!…
– Feiticeiro, a Lei te condena!
Lázaro contemplaria o quadro, surpreendido. Observava amigos da infância vociferando anátemas, escribas que ele admirava, com sincero apreço, vomitando palavras injuriosas.
Os companheiros irados passaram da palavra à ação. Saraivadas de pedras começaram a
cair em derredor do redivivo, e, não contente com isso, o arguto Absalão, velha raposa da casuística, segurou-o pele túnica, propondo-se encaminhá-lo aos juízes do Sinédrio para sentença condenatória, depois de inquérito fulminante.
O irmão de Marta e Maria, contudo, fixou nos circunstantes o olhar firme e lúcido e bradou sem ódio:
– Fariseus, escribas, sacerdotes, adoradores da Lei e filhos de Israel : aquele que me deu a vida, tem suficiente poder para dar-vos a morte!
Estupor e silêncio seguiram-lhe a palavra,
O ressuscitado de Betânia desprendeu-se das mãos desrespeitosas que o retinham, recompôs a vestimenta e tomou o caminho da residência humilde de Simão Pedro, onde os novos irmãos comungavam no amor fraternal e na fé viva.
Lázaro, então, sentiu-se reconfortado, feliz…
No recinto singelo, de paredes nuas e cobertura tosca, não se viam, alfaias do Indostão, nem, vasos do Egito, nem preciosidades da Fenícia, nem custosos tapetes da Pérsia, mas ali palpitava, sem as dúvidas da Ciência e sem os convencionalismos da seita, entre corações fervorosas e simples, o pensamento vivo de Jesus Cristo, que renovaria o mundo inteiro, desde a teologia sectária de Jerusalém ao absolutismo político do Império Romano.
Pedro Leopoldo, 22 de dezembro de 1945
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