Richard Simonetti

LIGAR O DESCONFIÔMETRO  

desconfiômetroRichard Simonetti

Extraído do Livro: Para Rir e Refletir – CEAC

 

Durante três décadas, participei de um grupo de visitação a hospitais.

Levávamos uma palavra amiga, particularmente aos enfermos solitários, tão carentes de calor humano.

Freqüentemente, topávamos com pessoas vitimadas por facadas, tiros, socos, pontapés…

Jamais encontramos alguém disposto a assumir alguma culpa. Eram sempre vítimas.

Iam passando…

Apartavam uma briga…

Sofreram um assalto…

O mesmo ocorre nas prisões.

Sentenciados proclamam-se injustiçados, vítimas da polícia, dos promotores e magistrados…

Acontece com os piores facínoras.

Criminosos notórios por suas maldades, do tipo Adolf Hitler, Joseph Stalin, Sadam Husseim, Slobodan Milosevic, Osama bin Laden, responsáveis por atrocidades abomináveis, julgam-se pessoas maravilhosas, nobres idealistas, santos missionários!

Trazem o “desconfiômetro” desligado.

Possuem uma visão glamourizada de si mesmos.

Enxergam o mundo por lentes egocêntricas, incapazes de reconhecer suas mazelas e a perversidade que lhes marca o comportamento.

 

 

***

 

Não se trata de uma deficiência isolada, mas de uma tendência globalizada.

Como o egoísmo é a inspiração das ações humanas, tendemos a ver o mundo pela ótica de nossos desejos e interesses, comprometendo-nos em desvios de comportamento e desajustes, sem nos darmos conta disso.

 

  • O viciado não reconhece sua dependência.

 

  • O adúltero reclama insatisfação conjugal.

 

  • O assaltante alega lutar pela sobrevivência.

 

  • O maledicente imagina defender a verdade.

 

  • O usurário pretende ser econômico.

 

  • O ditador julga-se um missionário.

 

Falta-lhes um referencial, algo que lhes permita distinguir o certo do errado, o justo do injusto…

 

 

***

 

O Evangelho é, sem dúvida, o código celeste que sinaliza a melhor atitude, o comportamento ideal.

Há um problema:

Tendemos a examiná-lo também pela ótica de nossos interesses e limitações distorcendo-o ao sabor de nossas conveniências.

Um pregador exaltava o perdão como virtude cristã essencial à nossa estabilidade íntima.

E citava Jesus, em Mateus, 5:39:

 

– Eu, porém vos digo: Não resistais ao mal que vos queiram fazer. Se alguém vos bater na face direita, oferecei-lhe a outra.

 

Mal terminara a leitura, um homem aproximou-se e deu-lhe valente tapa no rosto.

Sentindo-se testado, nosso herói moveu lentamente a cabeça, oferecendo-lhe a outra face.

O impertinente o esbofeteou novamente.

Eis que se deu o inusitado: o pregador pulou em cima do agressor, derrubando-o e desferindo-lhe uma saraivada de socos e pontapés.

Contido e questionado pelos fiéis, explicou:

– O Evangelho manda que ofereçamos a outra face a quem nos bate. O que acontece depois, se ele reincide, é por nossa conta! Entendi que aquele atrevido precisava de uma lição.

Levando a orientação evangélica ao pé da letra, segundo suas conveniências, não entendeu que Jesus usava uma imagem forte para demonstrar que jamais devemos revidar ao mal com o mal.

Razoável que contenhamos o agressor, mas inconcebível, à luz do Evangelho, que desçamos à agressividade.

 

 

***

 

A Doutrina Espírita situa-se como poderosa lente, permitindo-nos uma visão mais clara e incisiva dos valores evangélicos.

Nas manifestações dos chamados Espíritos sofredores, em reuniões mediúnicas, vemos o que nos aguarda na espiritualidade.

Por mais parcial e benevolente seja o julgamento que fazemos de nós mesmos, é impossível nos furtarmos à comparação com aqueles que nos antecederam.

Colhendo as conseqüências de mazelas e imperfeições que cultivaram na Terra, representam o nosso futuro, o que nos espera, se insistirmos em idêntico comportamento, induzindo-nos a uma providência elementar e altamente salutar:

 

Ligar o desconfiômetro!

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