Orson Peter Carrara
Não posso resistir ao desejo de recomendar aos leitores que vejam os filmes que comento e indico abaixo, assim que puderem, mesmo que seja mais tarde, quando estiverem disponíveis no youtube. Seja pela inteligência que se traduz na produção, seja pela lição que transmitem.
Ambos, todavia, indicam uma história que se repete no tenso relacionamento humano: o presença sempre constante da crueldade, ou seja, do excesso de rigor ou mesmo da falta de humanidade para com os semelhantes, em total desrespeito à condição humana como se apresenta. E não é só. Toda vez que alguém busca algo com a persistência de alguém que acredita no que realiza, toda vez que alguém se destaca, pronto: lá estão os contrários de plantão, os críticos por mero prazer, os incomodados ou frustrados que, não conseguindo alcançar o que outros alcançam ou realizam, colocam-se simplesmente na oposição, sem se darem ao trabalho de pelo menos conhecerem as razões, as propostas, de abrirem o coração e a mente para enxergarem além do próprio preconceito.
A crueldade é uma figura de duas faces. Muitas vezes apresenta-se como é mesmo, ou seja, furiosa, agressiva, declarada. Outras vezes é dissimulada. Surge elegante, com boas maneiras na frente e age manipulando nos bastidores. Não sei qual é pior, porque em ambas falta o respeito e a civilidade. Em ambos os casos, porém, é sempre maquiavélica, que se define por uma posição de oportunismo, má-fé, ou para resumir, é uma postura de velhaco.
Pois esta imperfeição humana está presente nos dois filmes que motivaram a presente abordagem. Ambos são de 2014 e dispenso-me acrescentar outras informações (sobre atores, direção e sinopse, etc), além do título, para não alongar a abordagem e sugerindo ao leitor pesquisa na internet, para conhecer outros detalhes importantes, inclusive históricos. Os filmes são Whiplash e Jogo da Imitação.
O primeiro mostra a luta na conquista de um sonho, onde um aluno de famosa escola musical enfrenta a crueldade do professor e maestro da orquestra, numa luta que culmina com uma grande lição de moral e garra, graças à persistência do jovem estudante. A história é muito envolvente e faz pensar nas razões da crueldade exposta que se manifesta em tantas pessoas, como ainda tão comum na sociedade humana. Posturas que requerem a coragem e a firmeza de ânimo para real enfrentamento dessas criaturas dormentes na ilusão de serem os únicos e os melhores, com a tola pretensão de domínio sobre os outros, mediante a arrogância declarada da petulância que tantos prejuízos trazem ao convívio harmonioso que se espera na vida social. Com que direito agem assim, penso eu, esses mandatários do orgulho?
Por outro lado, o segundo filme mostra a dedicação de um dos pioneiros dos atuais computadores que hoje utilizamos com tanta facilidade, e os preconceitos que enfrentou pela condição que vivia, em ambientes formalizados de suposta fineza educativa, mas corrompido pela crueldade disfarçada, que depois se declara, como sempre acontece. A temática do filme vale por si mesmo uma pesquisa a parte sobre Alan Turing – em quem se baseia o filme –, cujo esforço e benefícios trazidos à humanidade vale a pesquisa do leitor. E como no primeiro caso, a lição moral predominante faz reconhecer o valor do esforço e da dedicação, do talento e da honestidade, apesar do enfrentamento rude proveniente da crueldade.
É que a história se repete sempre, em algo que ainda não aprendemos no convívio social. Por que ainda teimamos em afastar ou discriminar, ou desprezar aqueles que pensam ou trazem ideias ou comportamentos diferentes do que adotamos? É ciúme, é inveja? O que é exatamente? Por que criamos tantas barreiras aos que ameaçam nossa zona de conforto? Isso está sempre presente nos relacionamentos humanos. Em todos os tempos, nacionalidades e até mesmo no ambiente familiar. O que não dizer, então, no ambiente profissional? Basta alguém pensar diferente e surge a hostilidade, a oposição, e poucos, mas poucos mesmo são os que acreditam ou valorizam o arrojo das ideias, as tentativas que vão além do comum, o dinamismo dos que buscam alternativas diferentes.
É de se lamentar realmente. Mas pelo menos vão ficando as lições e o que temos visto é que os hostilizados, os marginalizados, os que têm coragem de ser diferentes é que vão fazendo a humanidade caminhar e sair dos paradigmas que travam o progresso. O custo é alto, mas mesmo assim, a luta nunca é em vão, porque são essas lutas que deslocam o marasmo e alavancam o progresso.
Acho que escrevi demais. O que queria mesmo era despertar a atenção do leitor para não deixar de ver os dois filmes. Veja e depois me escreva. Ficarei feliz com seu parecer.
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